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O cinema ucraniano sofreu boicote de Moscou muito antes da guerra.
Obras-primas eram deliberadamente censuradas!

Cena do filme 'O longo adeus' (1971), de Kira Muratova

O cinema ucraniano já sofreu diversas formas de censura e boicotes de Moscou muito antes das relações entre os dois países culminarem na atual Guerra da Ucrânia. É o que conta Franthiesco Ballerini, Doutor em Processos Socioculturais e autor do livro ‘História do Cinema Mundial‘, o livro mais vendido da área no Brasil, referência nas faculdades de cinema do país.

Como você analisa o cinema ucraniano?
O cinema ucraniano é muito rico, mesmo quando o país ainda era estado-membro da URSS. Naquela época, o país já produzia um cinema muito diferente do que vinha de Moscou.

Consegue dar um exemplo?
Recomendo que vejam o trabalho de Alexander Dovzhenko. As imagens produzidas por ele eram deliciosamente oníricas, continham uma liberdade de associações que lembra muito as esfuziantes obras das vanguardas francesas, que eram contemporâneas aos dois filmes mais belos do diretor, ‘A montanha do tesouro’ (1928) e ‘Arsenal’ (1929).

A Ucrânia sofreu censura de seu cinema por parte de Moscou?
Não apenas censura, mas boicotes deliberados. Desde a URSS, o cinema era estritamente controlado pelo partido comunista. Era visto como uma ferramenta de propaganda ideológica, o que acabou sufocando diversos de seus mais emblemáticos diretores, como Sergei Eisenstein, que quase enlouqueceu, ao final da vida, com a ingerência do Estado.

Isso gerava efeitos positivos para Moscou?
Quase nunca. Apesar de ter produzido obras-primas de ficção e documentário, os filmes russos e soviéticos ganhavam festivais, entravam com glória para a história do cinema. Mas para o país, o mais interessante seria que o cinema se tornasse uma ferramenta de sedução de seu próprio povo e de outras nações. Isso quem conseguiu foi Hollywood. Moscou nunca conseguiu transformar seu cinema numa ferramenta de poder suave, algo que eu discuto muito no meu livro, ‘Poder Suave – Soft Power‘.

Tem um exemplo de diretor ucraniano que sofreu censura de Moscou?
O caso mais emblemático talvez tenha sido da ucraniana Kira Muratova. Corajosa, ela dirigiu ‘Breves encontros’ (1967), um triângulo amoroso entre uma aldeã, uma chefe de empresa e um geólogo hippie. No filme seguinte, ‘O longo adeus’ (1971), Kira trabalhou com muito rigor nos diálogos e na produção de som. É um dos raríssimos filmes em que se observa a rotina da vida da União Soviética de forma diferente das versões que saíam das fábricas de propaganda ideológica de Moscou. Mas o filme foi proibido no país.

E nunca foi visto?
Ele só foi autorizado a ser exibido com o início da abertura da União Soviética (e seu colapso) em 1986, especialmente porque recebeu forte aclamação internacional, o que deixaria o staff soviético em maus lençóis se continuasse censurando uma obra-prima mundialmente aplaudida.

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